Dados do Trabalho
Título
CARCINOMA EM COURAÇA COMO APRESENTAÇAO "DE NOVO" DO CANCER DE MAMA TRATADO COM TRASTUZUMABE DERUXTECAN: UM RELATO DE CASO
Introdução / Justificativa
O carcinoma em couraça é uma forma rara de metástase cutânea que apresenta a mama como principal sítio primário. Foi descrito em 1838, e seu nome provém da semelhança entre o aspecto das lesões e a peça metálica que compunha a armadura dos "couraceiros", soldados de cavalaria européia do século XVI.
Células neoplásicas se espalham pelo espaço intersticial, e por via hematogênica ou linfática atingem a derme acarretando carcinomatose cutânea difusa. Manifesta-se clinicamente como nódulos hiperemiados dispersos em fundo eritematoso, e eventualmente coalesce em placa esclerodermóide. Esta apresentação torna desafiadora a distinção com outras doenças cutâneas como radiodermite e o carcinoma inflamatório. Histologicamente, entretanto, tal diferenciação se dá pela presença de células tumorais organizadas em fileiras, entremeadas por tecido fibrótico pobre em vascularização, e com imunohistoquímica positiva para as citoqueratinas 7 e 20, além da glicoproteína marcadora GCDFP-15.
O tratamento desta manifestação neoplásica de caráter agressivo é desafiador, e novas terapias como os anticorpos monoclonais droga-conjugada (ADCs) abrem perspectivas de melhora do prognóstico neste cenário.
Relato de caso
Paciente de 47 anos, sexo feminino, previamente hipertensa controlada, apresenta lesão cutânea indolor em região cervical esquerda, com disseminação para mama esquerda e dorso, com evolução de 2 meses, associada a edema em membro superior ipsilateral. Negou perda ponderal ou qualquer outra queixa.
Foi admitida ao setor de internação após avaliação ambulatorial prévia em outro serviço, no qual foi submetida a propedêutica radiológica incluindo ressonância magnética de coluna cervical, cintilografia óssea, e tomografias computadorizadas cervical e torácica. Estes exames evidenciaram extensa neoplasia infiltrativa em mama esquerda, com linfonodomegalias em região axilar, cervicotorácica, e mediastino. Havia ainda infiltração da glândula parótida esquerda, e a angiotomografia venosa evidenciou compressão extrínseca de segmento distal da veia subclávia esquerda pelo acometimento secundário, justificando o edema em membro superior. Não foram detectadas metástases ósseas.
Ao exame, apresentava bom estado geral, e lesão cruenta, não secretiva, ulcerada e eritematosa, com fibrina sobrejacente em região cervical esquerda. Havia ainda área de hiperemia endurecida, que se estendia para fossa supraclavicular, mama, e axila esquerda, sem delimitar nódulo isolado. Lesões satélites estavam presentes em quadrantes superiores da mama e parede torácica lateral à esquerda.
Diante da hipótese de neoplasia metastática de mama, a paciente foi submetida a ultrassonografia, que evidenciou massa em mama esquerda com extensão para a pele e axila. A core biopsy da lesão foi compatível com carcinoma ductal invasor, grau 3. Estabelecido o diagnóstico de carcinoma em couraça com metástases linfonodais e em glândula parótida ipsilateral, após discussão em conjunto com a equipe de oncologia clínica, foi proposto início imediato de tratamento paliativo com Docetaxel associado a Doxorrubicina. Após ter completado um ciclo, o resultado da imunohistoquímica evidenciou receptor de estrógeno 2%, receptor de progesterona negativo, HER2 3+ e Ki-67 de 90%. O tratamento foi então substituído pelo esquema Cleopatra (Docetaxel + Herceptin + Perjeta), seguido de tamoxifeno após término dos ciclos de Docetaxel. A paciente foi encaminhada para a comissão de feridas, e apresentou inicialmente boa resposta das lesões cutâneas. Entretanto, após 10 meses apresentou progressão cutânea e em sistema nervoso central (SNC), o que motivou alteração do tratamento para o esquema atual com Trastuzumabe Deruxtecan (T-DXd), além de encaminhamento para radiocirurgia da lesão cerebral. A paciente encontra-se atualmente em excelente resposta cutânea ao T-DXd.
Discussão
O carcinoma em couraça é uma entidade com manejo clínico desafiador, que demanda alto índice de suspeição, e normalmente se associa a prognóstico desfavorável. No presente caso, apesar da resposta cutânea inicial ao esquema cleópatra, a progressão das lesões de pele e para SNC em vigência do tratamento confirma o caráter agressivo da neoplasia.
O T-DXd é um ADC que ganhou notoriedade no tratamento da doença Her2 após a publicação dos estudos DESTNITY-Breast 03 e 04, e a excelente resposta apresentada pela paciente na terapia de segunda linha com T-DXd confirma o potencial de empregabilidade dos ADCs no tratamento do câncer de mama.
Considerando-se os marcantes avanços que estamos testemunhando e as eventuais mudanças de paradigma que podem advir, torna-se extremamente relevante a publicação de casos como este. A divulgação do bom desempenho do T-DXd no tratamento da presente neoplasia de caráter agressivo pode abrir perspectivas de novas terapias, visando otimizar o prognóstico e qualidade de vida dos pacientes afetados por essa condição.
Área
Mastologia
Instituições
Rede Mater Dei de Saúde - Minas Gerais - Brasil
Autores
FELIPE MARCONDES DE OLIVEIRA COELHO, MARIA FERNANDA SPEROTTO VALADARES GONTIJO, LETICIA MARTINS DE ARAUJO CAMPOS LINHARES, RENATA ARRUDA CERQUEIRA, RENATA CAPANEMA SALIBA FRANCO